quinta-feira, 28 de maio de 2015

Daniel

Daniel, com um mês

Do exame auditivo

27/05/2015 Hoje foi o exame do Daniel. O tal de Bera, que verifica os nervos do ouvido e verifica se ele está escutando e o quanto está escutando. Quer dizer, teoricamente. Fui ao exame, mas saí de lá na mesma. A fonoaudióloga, que como boa parte das pessoas do planeta, fazem as coisas, mas em paralelo com o watsapp, que acaba sendo prioridade. Acabou que ela não se mostrou muito aberta a responder minhas perguntas, como a médica genética, que me deu o diagnóstico de síndrome de down. Essa sim, me deu uma aula de genética, respondeu pacientemente às minhas trocentas perguntas. A fono deu informações evasivas. Pelo que entendi, o nervo do ouvido dele respondeu menos do que deveria, só aos sons mais altos. Relatei que em casa ele responde muito bem aos estímulos sonoros, ela falou que ele pode tá ouvindo, mas sem a capacidade de entender, o que futuramente poderia prejudicar o aprendizado dele. Sei lá. Farei tudo que me for solicitado, quero ajudar meu filho e para isso quero saber das reais potencialidades dele. Mas não sou do tipo que diz amém para tudo que os médicos e afins dizem. Sou mãe, convivo e conheço meu filho melhor que ninguém. Nem ela mesma estava convencida da possibilidade que ela estava levantando. Ela meio que jogou a bola para o otorrino, que o examinará dia 02/06, semana que vem, já. Só sei que hoje percebi que é coisa demais. Ao menos nesse começo, que ainda estamos buscando entender a real situação do nosso filho. Estou cansada, menos animada hoje e pensando como vou ter tempo para dar conta de todas as minhas atribuições com tanto acompanhamento que o Daniel precisa fazer. Mas logo acharei a melhor forma. Outra coisa que me entristeceu hoje, mas que terei que aprender a lidar, foi o fato de uma funcionária do RH se referiu à deficiência do meu filho. Eu fui requerer o auxílio que tenho direito por ele ser portador de necessidade especial e ela me deu um formulário para preencher e falou que eu tenho que levar um laudo que conste a doença e que esta não é passível de tratamento. Poxa, mas que doença? O termo me incomodou. Meu filho é sadio, até agora todos os exames apontaram que todos os órgãos dele estão perfeitos, não foram comprometidos pela síndrome de down. Talvez só um prejuízo na audição. Na hora não falei nada. Fiquei sem graça de corrigi-la e também, fui pêga de surpresa. Mas na próxima não hexitarei. Não dá pra passar o resto da vida engolindo esse tipo de coisa, até porque, minha missão é educar as pessoas em relação ao tema. Bem, como eu disse no começo, isso não é um blog de auto ajuda, mas sim de registros que espero que sejam úteis. E relatos, em sua maioria felizes, já que estou feliz com meu filho. Mas, não por culpa dele, da condição dele em si, sei que não será fácil. Bem mais por causa das pessoas, que ainda têm muito preconceito. Essa é a principal luta, como disse Sartre, “O inferno são os outros.” Ainda não tive oportunidade de entrar em nenhum grupo, mas sei que será bem produtivo. Penso que será mais fácil a partir de então. Troca é sempre produtivo. Tenho que aprender a pegar pra mim tudo que for útil e descartar o que for negativo, não absorver essas coisas. Acho que o Daniel veio para me ensinar a viver. É, acho que a vida não poderia ter me dado presente melhor.

Do início à descoberta

25/03/2015: considero que hoje foi um dos dias mais felizes da minha vida. Recebi o diagnóstico do meu filho, hoje com exatos dois meses, de Síndrome de Down. Pode parecer estranho ler isso, mas vou tentar explicar, embora não seja tão simples. Sentimentos nem sempre são fáceis de serem explicados. De antemão, quero deixar claro que não se trata de um blog de auto ajuda, nem tenho a pretensão de romantizar Síndrome de Down. Mas sim, desmitificar, para que cada vez menos mães de crianças com Síndrome de Down fiquem aterrorizadas, sofram e, sem querer, acabem não conseguindo dar às crianças o apoio e tranquilidade necessárias para uma vida com qualidade. Bem, começo do começo: em agosto do ano passado descobri que estava grávida. Foi totalmente sem querer, eu estava no começo do namoro com o Sérgio, hoje meu marido, e, como muitos casais fazem, vão desleixando da camisinha, enfim, engravidamos. Embora não estivesse nos meus planos, passados os primeiros 10 minutos após eu ter tirado a reguinha de dentro do recipiente com urina e visualizado as duas tirinhas rosas que indicavam que eu, de fato, estava grávida, fiquei muito feliz com a novidade. Tenho 2 filhos de um relacionamentos anterior, eles já têm 13 e 15 anos, curti a ideia de ter outro filho, que era algo que eu já imaginava, no futuro, talvez pouco antes de completar 40 anos (atualmente tenho 32, e engravidei com 31). Enfim, o Sérgio ficou feliz também, primeiro filho dele, foi bem legal. Agora que começa a parte menos legal: logo na primeira semana após descobrirmos a novidade, acordei um dia com hemorragia. Daí fiquei assustada, fui ao hospital e acabou tudo bem, não havia perdido o bebê. Mas uns dias depois, aconteceu de novo. De novo teve susto, correria, mas acabou tudo bem. Só que depois fiquei perdendo sangue em pequenas quantidades. O médico disse que era descolamento de placenta e me orientou a ficar aplicando progesterona para ajudar a segurar a gravidez. Assim fiz e isso passou por volta de 3 meses de gestação. Só que logo depois emendou outro susto: na décima segunda semana de gestação, no ultrassom morfológico, a transluscência nucal, que é aquela medida da nuca do bebê, apareceu aumentada, estava em 3,51 milímetros, quando o parâmetro é 2,5. Fiquei muito triste, saí desse exame em estado de choque, chorando, não comi direito, fiquem mal. A médica que fez o exame, quando questionei o que era, falou que podia ser alguma síndrome, como a de Down, que poderia ser má formação cardíaca ou uma série de más formações. Imagina como se recebe uma notícia dessas? Então fui fazer o que todo mundo faz nessas situações: repeti o exame, que confirmou a TN aumentada, e, claro, pesquisar na internet. O interessante é que, ao pesquisar e ler as informações disponíveis, me prendi às que eu queria que fossem verdadeiras, ou seja, que meu bebê, apesar do prognóstico considerado desfavorável, tinha muita chance de nascer sem síndrome. Até era uma verdade, mas não a única verdade. Essa verdade coexistia com outra, que acabou sendo a minha. Depois, nas outras ecografias, já não se chamava mais TN aumentada, mas sim prega nucal aumentada (7mm, quando o parâmetro é 5mm). Mudou o termo, mas algo ainda chamava atenção na nuca. Fiquei meio assim, mas sempre apegada à possibilidade de não acontecer nada em desacordo com o que eu queria. E foi assim minha gravidez: um misto de apreensão e esperança. Com tanto estresse, acabei passando mal um dia no trabalho, aos 7 meses de gravidez. A pressão subiu, senti falta de ar, que eu já vinha sentindo mais que o normal na gravidez, fui ao hospital, descobri que estava também com diabete gestacional e fiquei internada. Fiquei uma semana, porque além de tudo, os médicos consideraram que eu estava com um quadro de ansiedade que merecia um maior cuidado. Depois disso o bom é que fiquei de atestado do trabalho e pude ficar mais tranquila, já que meu trabalho também é bem estressante e bem puxado, sobretudo para quem já vem com uma gravidez delicada. Depois disso, fui levando, até que um dia, aos 9 meses de gravidez fui ao hospital porque estava com falta de ar, o médico fez um ultrassom para ver como estava o bebê, e verificou que estava quase sem líquido amniótico e que, portanto, o parto tinha que ser feito naquele dia, conversamos e acertamos de fazer uma cesariana. Durante esse exame, comentei a TN, falei que a gravidez foi tensa por conta disso e ele me perguntou se estávamos prontos para ter um nenem com síndrome de down. Respondi que não porque eu não estava pensando na possibilidade. Ele falou que seria bom pensarmos, porque, poderia acontecer e que se fosse o caso, não era pra nos chocarmos. Nessa hora pensei um pouco, mas sempre pensando mais que provavelmente não aconteceria. Fiquei lá no quarto esperando ansiosa a hora de ter o bebê. Bem mais tarde, fui para o centro cirúrgico e, quando o Daniel nasceu, perguntei se estava tudo bem, a pediatra falou que sim, mas que ele tinha síndrome de Down. Fiquei um pouco triste nessa hora, apesar de feliz com o nascimento dele, pequei no colo, beijei, senti um imenso amor por ele. Acabou que depois lá no hospital a pediatra já falou que tudo indicava que ele tinha porque tinha os traços, mas que confirmação mesmo, só com o cariótipo, que é o exame que conta os cromossomos. Ela falou que eles fariam esse exame, mas que é demorado e que o resultado só teríamos dali a dois meses. Resultado: continuei pensando que talvez ele não tivesse nada, apesar dos olhinhos oblíquos, nuca mais gordinha, orelhinhas pequenas. Eu focava no fato de a língua não ser característica, nem a maozinha e também de ele ser bem esperto. Sempre teve bons reflexos, era e é bem durinho e apresentou um desenvolvimento bem rápido e até acima da média. Eu pensava: 'mas ele é muito esperto para ter síndrome de Down”. Porque a gente aprende que uma pessoa com síndrome de Down não pode ser esperta, que esses bebês só tem a opção de ser molinhos e que estão fadados à rejeição da sociedade. O que eu quero relatar é que meu filho tem síndrome de down, que está com dois meses e desde vinte poucos dias 'conversa' comigo, brinca, 'pedala', é bem forte, presta atenção em desenhos como a bendita Galinha Pintadinha, enfim, faz tudo não só dentro do esperado, como até mais. Se ele não vai apresentar 'atraso' no desenvolvimento? Certamente vai. Mas ele tem a vida toda, não há pressa. Como ele vai se desenvolver, como será na escola, creche, hoje não tenho dúvidas que terei todas essas respostas, cada uma ao seu tempo e dadas pelo próprio Daniel. Eu estou, de verdade, muito aliviada, porque não há nada pior que viver na dúvida, e muito feliz, não por ter um filho com síndrome de down, mas por ter o Daniel como filho, que não se resume a uma síndrome. Parece que fiz as pazes comigo mesma. Outra coisa que eu queria dividir aqui são os esclarecimentos que recebi da médica, sobretudo quanto à questão que mais me intrigava: porque tem downs que se desenvolvem, fazem até faculdade, trabalham, e outros que mal falam ou andam, não conseguem coordenar muito bem a língua? Ela explicou que os downs tem umas características meio padronizadas, traços, etc, por causa do cromossomo que eles têm a mais, que é o 21. Esse que é diferenciado. Daí ao invés de ter um total de 46 cromossomos como a maioria de nós, têm 47. a resposta está aí. Percebam: um cromossomo é excedente e caracteriza down, mais tem outros 46, que nem todo mundo, logo, que nem todo mundo, cada um vai desenvolver características próprias. A gente não caminha igual, não fala igual, com a mesma desenvoltura, pessoas com síndrome de Down também não. Simples assim. Os cuidados especiais? Não sou especialista, estou aprendendo a cuidar dele como qualquer outra mãe com seus bebês. Mas até agora não percebi diferenças em relação aos meus outros filhos. Tive sorte porque ele não apresenta má formação cardíaca, o que ocorre com 50 por cento dos down, segundo a médica me informou. Também, a princípio, não apresenta problemas renais e, quanto à audição, que pode vir prejudicada, ele fez o teste da orelhinha e está confirmado que ele ouve bem da orelhinha direita, da esquerda está em aberto, faremos um exame mais específico chamado Bera, dia 27/05/2015. ou seja, meu filho está bem, não está doente. Se ele tem problema? Sim, vários. E eu também, e creio que todo mundo. Será minha resposta se me perguntarem isso. E sei que vão. Sei que vou ter que aprender a lidar com as inconveniências. Sei que terei que ensinar meu filho a se defender porque ele vai enfrentar dificuldades, como todas as minorias. Mas também estou certa de que ele vai conquistar o lugar dele no mundo e ser muito feliz. Quanto às mães que têm filhos com síndrome de Down com complicações cardíacas, penso que com as possibilidades de acompanhamento e tratamentos que estão disponíveis hoje em dia, a maior dificuldade é, sem dúvida, o preconceito. Quanto à mim, vou curtir meu filho, apoiá-lo em tudo, buscar informações. Estou animada para lutar por essa causa que passou a ser minha. Quero buscar informações, dividi-las, conversar com demais interessados, expandir ao máximo informações, não técnicas, mas verdadeiras, não embasadas em senso comum nem em preconceito, mas na minha experiência e do Daniel. Quero que o mundo tenha espaço para todo mundo, que todos possam ser felizes, sem rótulos, sem padronização. É basicamente isso que espero com o blog. Espero que possa ajudar.